A PEQUENA SEREIA
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
No mais profundo dos abismos do mar, existia um país fabuloso, habitado pelo multicolorido povo marítimo. Entre as muitas casinhas de coral e madrepérola surgia o grandioso palácio do rei Triton, o poderoso soberano daqueles lugares distantes.
Estava sempre muito ocupado, tomado por tantos afazeres de palácio e nos últimos dias estava mais ainda. Estava sendo organizada uma grande festa em honra de Ariel, a sua filha mais nova e predileta, que logo festejaria os dezasseis anos.
Havia momentos intensos, sobretudo para o espetáculo mais esperado : a sereiazinha cantaria, enfim, algumas doces melodias com sua voz suave.
No entanto, com a desculpa de fazer-se ajudar pelas irmãs para treinar o canto, Ariel estava nos jardins do palácio e perguntava com insistência a uma e a outra sobre o mundo dos homens, que veria pela primeira vez naquela tarde, como presente de aniversário, obtendo a permissão de subir à superfície.
- Mas, realmente, são assim belos os homens?
- E com isto o que se faz? Dizia mostrando às irmãs um pente e outros objetos que havia encontrado no fundo do mar, resultado de algum naufrágio.
- E com isto? E com aquilo?
Os poucos dias que faltavam ao grande acontecimento passaram velozes e logo veio a tarde tão esperada.
Ariel apresentou-se ao povo do mar adornada com magníficas pérolas e lindíssimos colares que punham em destaque a sua fulgurante beleza, tanto que na sala se ouviu um forte "Oh, Oh..."de grande admiração.
Triton estava orgulhosíssimo , fez um longo discurso e depois tomou à parte a sua doce filha e lhe disse:
- De agora em diante poderás ir ver o mundo dos homens, mas presta atenção: não te faças nunca ver por eles. Eles se assustariam por causa de teu especto estranho e te machucariam. Não tinha ainda acabado de pronunciar estas palavras e já a sereiazinha nadava para a superfície do mar.
Qual não foi o seu espanto quando viu pela primeira vez o sol, o céu, os belíssimos pássaros que voavam alegres e no horizonte uma grande ilha.
Ariel logo perdeu a noção do tempo e percebeu de repente que a luz do dia estava sumindo. Estava chegando um vento forte e grossas nuvens carregadas de chuva e trovões. A sereiazinha estava para mergulhar e voltar para casa, quando viu atrás de si um enorme navio, ao sabor das ondas, com o mastro principal quebrado, o leme descontrolado, e os marinheiros que corriam desesperados no convés.
Aguçando a vista, a sereiazinha descobriu entre eles o príncipe que comandava o navio, o qual, exatamente naquele momento, surpreendido por uma onda altíssima, era jogado ao mar. Ariel nadou rápida para ele e o socorreu um instante antes de submergir. Levou-o, então, para longe do navio e rápida, o colocou sobre a praia mais próxima, a salvo.
Logo lembrou as palavras do pai e se afastou velozmente, conseguindo esconder-se de uma moça que chegava para ajudar os náufragos. A sereiazinha se escondeu atrás de uns arbustos para admirar o príncipe com olhares sonhadores.
Quando o príncipe abriu os olhos, viu a moça e acreditou que era a sua salvadora, por isso pediu para casar-se com ela em sinal de gratidão.
Ariel estava desesperada.
Em poucos minutos estava muito apaixonada pelo belíssimo príncipe e não era justo que ele não soubesse nada sobre sua existência!
Nadou, certo, até a escura gruta da bruxa do mar e esta com sua voz grasnante lhe disse:
- Já sei que queres tornar-se humana e conquistar o coração do teu amado.
Eu posso fazer essa mágica, mas em troca quero a tua voz suave.
Aceitas?
- Sim respondeu prontamente Ariel. Logo depois viu a cauda transformar-se em duas formosas pernas torneadas.
- Mas, lembra, disse também a bruxa, se o príncipe se casar com outra mulher, tu te tornarás espuma branca do mar ! Depois, magicamente, enviou-a à praia do príncipe, onde devido à emoção caiu desmaiada.
Na manhã seguinte, o jovem passeava como de costume pela praia, quando encontrou a sereiazinha ainda desmaiada. Recolheu-a e a levou para o seu castelo. Quando Ariel abriu os olhos e se viu ante o belo príncipe, quase desmaiou de novo de tanta emoção. Infelizmente, não tinha voz para lhe declarar o seu amor e devia contentar-se com expressões de mímicas para comunicar-se com ele. Ariel teve cuidados especiais e logo se refez.
O príncipe lhe tinha grande simpatia e passeava com ela por longos períodos, levando-a aos lugares mais secretos do reino. Frequentemente, paravam o barco à sombra das árvores, ele lhe lia doces poesias no silêncio de grutas marinhas. Haviam velejado sozinhos com o grande navio do reino.
A felicidade de Ariel era completa, quando, um dia, o príncipe, com voz grave e triste lhe disse:
- Querida Ariel, dói muito mas devo interromper estes dias maravilhosos.
Prometi há tempos a uma moça que me casaria com ela, pois me salvou a vida em uma tempestade e agora chegou o momento.
A sereiazinha estava desesperada: não somente perdia o príncipe, mas sabia que era ela que devia casar-se com ele, porque era ela a sua salvadora verdadeira! Uma noite, enquanto chorava desesperada na praia, uma de suas irmãs saiu da água e lhe trouxe um punhal, dizendo:
- Mata o príncipe com este punhal mágico: serás novamente a sereiazinha e poderás voltar a viver connosco.
Ariel tomou o punhal e atirou longe, pois não poderia nunca fazer qualquer mal ao seu amado.
Dali a poucos dias foram celebradas as núpcias e Ariel se transformou em branca espuma do mar.
Desde então, cada manhã, quando o príncipe passeia na praia, um
pouco de leve espuma chega sempre, docemente, a beijar-lhe os pés.